domingo, 11 de setembro de 2011

Caminho dos Ascetas - Iniciação a Vida Espiritual - parte 6

É necessário transferir ao Cristo o amor por nós mesmos



"Se sairmos de nós mesmos, o que encontraremos?" pergunta o bispo Teófano, o Recluso. E ele próprio dá, imediatamente, a resposta: "Encontramos Deus e o próximo." Essa é a verdadeira razão pela qual a negação de si mesmo é uma condição — e a principal — que deve ser cumprida por quem procura a salvação no Cristo: é assim que o centro de gravidade de nosso ser se pode deslocar de nós para o Cristo, que é, a um só tempo, Deus e nosso próximo. Isso significa que toda a solicitude, todo o cuidado, todo o amor que prodigalizamos a nós mesmos é, pois, sem que percebamos, completa e naturalmente transferido para Deus e, por ele, para o nosso próximo. Só então é que poderás fazer o bem de modo que "... não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo" (Mt 6:3-4). Até que isso se realize, não será possível estar "... repletos de todo conhecimento e em grau de vos poder admoestar mutuamente" (Rm 15:14), de modo real, não apenas material. Todas as nossas tentativas nesse sentido são deformadas na base, porque são "nossas" e procedentes do nosso desejo, de nos agradar. É particularmente necessário compreender bem isto; senão, corremos o risco de nos desviar com facilidade, entrando pelo caminho de um pretenso devotamento aos outros e em obras bem intencionadas, mas que nos conduzem inevitavelmente ao lodaçal de nossa própria satisfação. Por conseguinte, não te ocupes demais com vendas de caridade, reuniões de obras assistenciais e de outras
atividades semelhantes. A agitação, sob todas as suas formas, é um temível veneno. Sonda o teu coração, examina-te com cuidado, e reconhecerás que muitas dessas atividades em que parece que nos doamos aos outros, procedem, na realidade, da necessidade de atordoar nossa consciência; sua verdadeira origem é a nossa invencível tendência de procurar o que nos agrada e nos satisfaz (cf. Rm 15:1). Não; o Deus de amor, de paz e de total sacrifício não pode estar onde se procura a própria satisfação, no barulho e na agitação, mesmo sob nobres pretextos. Este é um princípio de discernimento: se a paz do teu espírito se perturba; se estás desanimado ou um pouco irritado, porque uma razão qualquer te obrigou a renunciar a uma boa obra, para a qual tinhas projetos, isso mostra que a sua origem era equívoca. Talvez te perguntes: por quê? Os homens que têm experiência da vida espiritual responderão que os obstáculos e as oposições exteriores só podem atingir os que não entregaram a Deus a própria vontade. É impensável que Deus tenha pela frente um obstáculo. Ora, um ato realmente desinteressado não é "meu," mas sim de Deus; nada pode impedir a sua realização. São apenas os meus próprios projetos, meus próprios desejos — estudar, trabalhar,
descansar, comer, prestar serviço ao meu próximo — que podem ser contrariados por circunstâncias exteriores. Então, eu me entristeço. Mas, para quem descobriu o caminho estreito que conduz à vida, isto é, a Deus, só resta um obstáculo possível: sua própria vontade pecadora. Se quer fazer alguma coisa, mas não pode levá-la a bom termo, por que se entristecerá? Aliás, ele já não faz projetos (cf. Tg 4:13-16). Mas este é um outro segredo dos santos. Não te iludas. Um cristão deve "... andar como ele (Cristo) andou" (1Jo 2:6), ele, que jamais procurou a sua vontade (cf. Jo 5:30), mas nasceu sobre a palha, jejuou quarenta dias, passou longas noites em oração, curou doentes, expulsou demônios, não tinha onde pousar a cabeça, e finalmente foi cuspido, flagelado e crucificado. Pensa, o quanto estás longe dele! Pergunta continuamente a ti mesmo: Passei uma única noite velando e orando? Jejuei um só dia? Expulsei um único demônio? Deixei-me insultar e bater sem resistir? Realmente crucifiquei a minha carne (cf. Gl 5:24)? Renunciei a buscar a minha vontade? Tenhas sempre presente, tudo isso, em teu espírito. Por que é necessário negar-se a si mesmo? Porque aquele que verdadeiramente se negou a si mesmo já não se perguntará: Sou feliz? Estou contente? Tais perguntas não se colocarão mais diante de ti, se de fato tiveres negado a ti mesmo. Com efeito, fazendo isso, terás ao mesmo tempo abandonado todo desejo de procurar a tua satisfação própria, na terra ou no céu. Essa vontade obstinada de encontrar a própria satisfação, é a causa da inquietação e da divisão da tua alma. Abandona-a e luta contra ela: o resto te será dado sem esforço.