quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Caminho dos Ascetas Iniciação à vida espiritual - parte 3


A horta do coração

A vida nova, que acaba de começar, tem sido muitas vezes comparada à de um agricultor. O solo que ele cultiva é um dom de Deus, como as sementes, o calor do sol, a chuva e a força que faz crescer os legumes. Mas o trabalho lhe foi confiado. Se o agricultor quiser obter uma colheita abundante, deve trabalhar de sol a sol, escavar, afofar a terra, regar, podar, pois suas culturas são ameaçadas por muitos perigos que comprometem a colheita. Deve trabalhar sem descanso, estar sempre alerta, sempre preparado para o que der e vier, sempre pronto a intervir. E apesar de tudo isso, afinal de contas, a colheita depende inteiramente do tempo e dos elementos, isto é, de Deus. A horta que nos dispusemos a cultivar, e pela qual devemos velar, é o nosso próprio coração; a colheita é a vida eterna. Ela é eterna porque não é medida pelo tempo e pelo espaço; não está ligada às circunstâncias exteriores. É a vida verdadeira, uma vida de liberdade, de amor, de misericórdia e de luz. Não tem nenhum limite, e por isso é eterna. É uma vida espiritual, que transcorre numa esfera espiritual. É uma nova dimensão da existência. Começa neste mundo e não tem fim. Nenhuma autoridade terrestre tem poder sobre ela, e a descobrimos no fundo do coração. "Persegue-te a ti mesmo, diz santo Isaac, o Sírio, e teu inimigo será derrotado só pela tua aproximação. Faze a paz contigo, e contigo farão a paz o céu e a terra. Esforça-te para entrar na tua cela interior, e verás a morada celeste, pois elas são a mesma e única coisa: penetrando em uma, contemplarás também a outra. A escada do Reino está em ti, escondida no teu coração. Se te desfizeres do fardo de teus pecados, descobrirás em ti o atalho que tornará possível a tua ascensão." A morada celeste, de que fala o santo, é um outro nome da vida eterna. Também é chamada Reino dos céus, Reino de Deus, ou simplesmente Cristo. Viver no Cristo, é viver na vida eterna.

Um combate silencioso e invisível

Agora, que sabemos onde se deve travar o combate que acabamos de começar, e o que está em jogo, resta-nos compreender por que o chamam "combate invisível." É que ele se desenvolve inteiro em nosso coração, em silêncio, bem no fundo de nós mesmos. Esse particular também é importante, e os santos Padres insistem sobre ele com veemência: "Conserva os lábios bem fechados sobre o teu segredo!" Se abrirmos a porta durante um banho de vapor, o calor vai-se embora, e o tratamento perde a eficácia. Assim pois, não fales a ninguém da tua recente decisão. Não digas nada da tua nova vida, nem das experiências que fazes, ou daquilo com que, um dia, esperas ser favorecido. Deves tratar disso só entre Deus e ti, exclusivamente. A única exceção deve ser teu pai espiritual. O silêncio é necessário, porque falar com facilidade de seus próprios assuntos só pode incitar à preocupação consigo mesmo, além de alimentar a confiança em si. Ora, são tendências que devem ser reprimidas, antes de tudo. Graças ao silêncio, cresce a nossa confiança naquele que vê o que está escondido; graças ao silêncio, falamos àquele que ouve sem necessidade de palavras. Procura apenas dirigir-te a ele; é nele que deve estar a tua confiança. Estás ancorado na eternidade, e na eternidade, toda palavra emudece. De agora em diante, deverás pensar que tudo o que te acontece, importante ou não, te é enviado por Deus, para ajudar-te no teu combate Só ele sabe o que te é necessário, e o que te falta no momento presente: adversidade ou prosperidade, tentação ou queda. Nada acontece por acaso; não há nenhum acontecimento do qual nada tenhas que aprender. Deves compreender bem isso, desde já, pois é assim que aumentarás a tua confiança no Senhor, que escolhestes seguir. Os santos nos dão ainda um outro conselho para a caminhada: considera-te uma criança que apenas começa a falar, e que esteja dando os primeiros passos. Toda a tua sabedoria segundo este mundo, e todo o teu conhecimento, não têm utilidade para o combate que te espera; tampouco te servem a situação social e os bens. Tudo o que se possui, e que não é empregado no serviço do Senhor, é um fardo; um conhecimento do qual o coração não partilhe é astéril e, logo, nocivo, uma vez que é pretensioso. Chamam-no "ciência simples," porque é desprovido de calor e não alimenta o amor. Deves, pois, abandonar toda a tua ciência, e tornar-te ignorante, para seres sábio. Deves tornar- te pobre para seres rico, e fraco para seres forte.