No início, Adão era uma estátua de barro, porém Deus soprou sobre ele um espírito de vida e ele se tornou um ser vivo. Muito tempo depois, o Espírito de Deus veio sobre Maria e nela apareceu uma nova vida, a vida do novo Adão; a vida deu um grande salto de qualidade! Mais tarde, o Espírito de Deus veio ao sepulcro de Cristo e o reanimou e fez Jesus retornar à vida.
Mais uma vez, o Espírito veio sobre os apóstolos, em Pentecostes, e encontrou um punhado de homens temerosos, medrosos, inertes como Adão quando era uma estátua de barro e, com suas línguas de fogo, o Espírito fez aparecer a Igreja, corpo vivo de Cristo. Nós, que somos a Igreja, somos corpo vivo de Cristo pelo Espírito Santo.
A cada Eucaristia, o Espírito Santo desce sobre o altar e transforma o pão e o vinho em corpo e sangue vivo de Cristo. E um dia, no fim do mundo, o Espírito virá e dará vida aos nossos corpos mortais e nos fará ressurgir para a vida eterna.
De Saulo a Paulo
Agora vou lhes contar sobre a vida nova que o Espírito Santo me deu.
Até 1975, eu era um frade capuchinho que ensinava História das Origens Cristãs na Universidade de Milão, na Itália. Um dia, comecei a escutar pessoas que falavam de uma nova forma de rezar. Uma senhora, de quem eu era diretor espiritual, voltando de um retiro disse-me: “Encontrei pessoas que rezam de um modo estranho: levantam as mãos, batem palmas, são muito alegres e dizem que entre eles milagres acontecem”. Então eu lhe disse: “Nunca mais irás a essa casa de retiros”.
Esses dos quais aquela senhora falava eram carismáticos. Comecei a observá-los e via que algo daquilo que acontecia entre esses irmãos era exatamente aquilo que lemos nas primeiras comunidades cristãs.
Eu não podia negar que havia algo daqueles primórdios da Igreja, contudo havia fenômenos que me perturbavam, como falar em línguas, abraçar-se, profetizar…
Certo dia, fui quase forçado a um encontro carismático. Lá fui tomado de uma intensa e nova alegria, que não sabia explicar. Sentia-me sacudido. E, confessando as pessoas, percebia nelas um arrependimento novo, profundo. Eu podia ver e até tocar a graça de Deus. Mas continuava como um observador.
Em 1977, ganhei uma passagem para ir aos Estados Unidos, assistir à grande assembléia carismática ecumênica. Dentro de mim, dizia: “Isto vem de Deus, mas não me agrada”. E as 40 mil pessoas presentes ali cantavam: “Jericó deve cair”. Os meus colegas italianos me diziam: “Escuta bem, porque Jericó és tu”. Eles tinham razão, e Jericó caiu.
Depois do encontro fomos a uma comunidade carismática em New Jersey, onde aceitei receber a efusão do Espírito Santo, mas ainda com certa resistência. Um dos sinais do Pentecostes é Deus falar através dos humildes. Quando as pessoas rezavam por mim, todas as palavras proféticas pronunciadas falavam de evangelização, de Paulo que com Barnabé inicia suas viagens apostólicas, e um irmão proclamou: “Tu provarás de uma alegria nova em proclamar minha Palavra”.
Um detalhe importante é que enquanto se reza para que alguém receba a efusão do Espírito, se diz: “Escolhe Jesus como Senhor da tua vida” e, enquanto me diziam estas palavras, levantei os olhos e vi o crucifixo que estava sobre o altar da capela. Era como se Ele me esperasse para me dizer algo muito importante: “Atenção! Raniero, cuidado! Este é o Jesus que tu escolhes como teu Senhor, o Crucificado. Não é um Jesus fácil, sentimental”. Nesse momento, entendi que a RCC não é um fenômeno superficial, mas algo que nos leva diretamente ao coração do Evangelho, à cruz de Cristo.
Comecei a ler o breviário experimentando algo novo. Vocês sabem que um dos frutos mais evidentes do Espírito é abrir a nossa inteligência para entender as Escrituras. Outro sinal da transformação que o Espírito operara em mim era o novo desejo de rezar.
Três meses depois voltei à Itália e os meus irmãos diziam: “Que milagre! Mandamos à América Saulo e nos mandaram de volta Paulo”.
Pouco tempo depois, enquanto rezava com um grupo de oração em Milão, surpreendi-me fazendo a oração: “Senhor, não permita que eu morra como um professor universitário aposentado!” E o Senhor levou a sério minha oração.
Algumas semanas depois, rezando na cela de meu convento, tive a moção interior de visualizar Jesus que retornava do batismo no Jordão e começava a pregar o Reino de Deus, e ao passar por mim Ele dizia: “Se queres me ajudar a proclamar o Reino de Deus, deixa tudo e vem!”
Compreendi que Ele queria dizer: “Deixa tua cátedra na Universidade, tua direção de Departamento e te tornes um pregador itinerante da Palavra de Deus, no estilo de São Francisco de Assis”. E ao final daquela oração o Espírito havia colocado em meu coração um “sim”.
Fui ao meu superior geral dizer-lhe que me sentia chamado pelo Senhor. Ele me pediu para esperar um ano. Depois de um ano, ele disse: “Sim, é vontade de Deus, vá”. Assim, tornei-me pregador.
Foi o Espírito Santo e a experiência carismática que fizeram deste velho professor universitário um pregador do Evangelho.
A Casa Pontifícia
Três meses depois, recebi um telefonema de Roma, do meu superior geral que me dizia que o Santo Padre, João Paulo II, havia me escolhido como pregador da Casa Pontifícia. O Papa, com tudo o que tem para fazer, cada sexta-feira de manhã, durante a Quaresma e o Advento, deixa tudo e vem escutar a pregação de um frade capuchinho. Quantos de nós vão escutar pregações como o Papa? Ele não falta nunca. Certa vez, estando em viagem pela América Central, faltou a duas pregações; na sexta-feira seguinte, foi ao meu encontro e pediu desculpas por ter faltado a duas pregações.
Foi-me dada a oportunidade de fazer ressoar ali, no centro da Igreja, o que o Espírito Santo está fazendo na Igreja. O Senhor escolheu esse pobre frade capuchinho para fazer chegar ao coração da Igreja aquilo que vivemos aqui, esta força, esta esperança, esta certeza de que o Espírito Santo realizou um novo Pentecostes na Igreja.
Um dia, entendi que era hora de falar ao Papa, aos Cardeais, aos Bispos sobre a efusão no Espírito. Entre outras coisas, eu disse: “Alguns dizem que tendo recebido o Espírito Santo na Ordenação, no Batismo, não temos necessidade desta oração pedindo a efusão no Espírito, mas Jesus não poderia responder: “Eu também não estava cheio do Espírito desde o nascimento de Maria, e mesmo assim fui ao Jordão para ser batizado por um leigo que se chamava João Batista?”
No final da pregação, eu tinha um certo temor e veio ao meu encontro um Cardeal que me disse: “Hoje, nesta sala, ouvimos falar o Espírito Santo”.
O Santo Padre também sabe de minha experiência, pois lhe contei pessoalmente. Mesmo assim, já faz mais de 20 anos, e ele não me mandou embora. E aquilo que vocês encontram nos meus livros, quase tudo foi escutado antes pelo Papa.
Quero lhes contar um último detalhe que nos faz conhecer a grande paciência do Santo Padre e o seu imenso amor pela palavra de Deus. Uma vez por ano devo fazer a pregação, na Basílica de São Pedro, com o Papa que preside a celebração. É porém a única vez que não é ele quem prega. Lida a narração da Paixão, é o pregador da Casa Pontifícia quem deve subir ao altar do Papa e pregar. Na primeira vez, os degraus me pareciam mais altos que o monte Evereste. Falando na Basílica, dei-me conta de que deveria falar muito lentamente, porque há uma grande ressonância. Mas, falando lentamente, o tempo passava e ultrapassou em cerca de dez minutos o tempo previsto. Vocês sabem que imediatamente após essa pregação, toda sexta-feira da Paixão, o Papa vai ao Coliseu fazer a via-sacra, e o secretário, naturalmente, estava muito nervoso e olhava o relógio de vez em quando. No dia seguinte, disse às freiras que depois daquela função, o Papa o chamou e, com muita gentileza, disse: “Quando um homem de Deus fala, nunca devemos olhar o relógio”.
Coragem, e ao trabalho!
No dia em que meu superior me permitiu iniciar essa vida nova, no ofício das leituras havia um texto do profeta Ageu: “Coragem, Josué, sumo sacerdote, coragem Zorobabel, coragem todo o povo deste país, e ao trabalho. Coragem porque eu estou convosco, diz o Senhor” (Ag 2,4).
Lida essa passagem, fui à Praça de São Pedro e, olhando para a janela do Papa, comecei a gritar: “Coragem João Paulo II, mesmo se sabemos que és o homem mais corajoso do mundo; coragem Cardeais e Bispos, e ao trabalho, porque eu estou convosco, diz o Senhor”. Isso era fácil, pois não tinha ninguém lá, mas três meses depois eu me encontrava diante do Santo Padre e dos Cardeais e Bispos, e proclamei novamente aquela palavra de Ageu.
Hoje, anuncio estas palavras também a vocês: coragem, povo de Deus, e ao trabalho, à evangelização, à renovação da Igreja, porque eu estou convosco, diz o Senhor!