Os textos conciliares do Vaticano II falam com insistência da importância da oração, especialmente da oração litúrgica, na vida dos presbíteros e dos Bispos. Mas gosto de lembrar sobretudo o texto de Atos 6,4, no qual Pedro, na primeira repartição dos ministérios feita na Igreja, reserva a si e aos outros apóstolos a oração e o anúncio da Palavra: Nós, ao contrário, nos dedicaremos à oração e ao ministério da Palavra. Pedro, ou melhor, o Espírito Santo por sua boca, naquela ocasião afirmou um princípio fundamental para a Igreja: que um pastor pode delegar quase tudo a outros na sua vida, mas não pode delegar a oração!
Esta passagem dos Atos, relativa à instituição dos diáconos, lembra sob muitos aspectos o texto do Êxodo em que se fala da instituição de juízes. Pedro repete na Igreja o que Moisés havia feito no povo de Israel (cf. Ex 18,13-24).
Aceitando o conselho de Jetro, Moisés escolhe para si, entre todas as funções possíveis, aquela de “estar diante de Deus em nome do povo e apresentar as questões a Deus”. Isto não impede que Moisés exerça uma atividade legislativa e que continue a ser o verdadeiro guia do povo; apenas estabelece uma prioridade.
A propósito de “apresentar as questões a Deus”, ouvi esta história do Papa João XXIII. Ele mesmo contava que, nos primeiros dias de pontificado, acordava bruscamente de noite com muitos problemas na cabeça, um mais angustiante do que o outro, e dizia a si mesmo: “É absolutamente necessário que eu diga isto ao Papa!” Mas depois, de repente, lembrava-se de que o Papa agora era ele mesmo, e então dizia: “Bem, então falarei disto com Deus!”, e voltava a dormir.
A decisão tomada por Moisés provinha de uma experiência recente do povo eleito. Este havia superado há pouco uma ameaça de destruição proveniente dos amalecitas. Num momento de vida ou morte para todo o povo e em que cada qual se empenhava ao máximo para rechaçar o ataque de Amalec, onde estava Moisés, seu chefe? No monte com os braços levantados em oração! Os outros lutavam com Amalec e ele lutava com Deus. Mas foi ele quem decidiu a vitória do povo (cf. Ex 17,8-16). Amalec – explica Orígenes – é aqui o símbolo das forças hostis que se opõem ao caminho do povo de Deus: Amalec é o demônio, é o mundo, o pecado. Quando este povo – e especialmente os seus pastores – reza, é mais forte e rechaça Amalec; quando não reza (quando Moisés, cansado, deixa cair os braços), Amalec é mais forte.
“Malditas ocupações”
São Bernardo, no De consideratione, escrito a convite do Papa Eugênio III, aplica esta lição à vida do pastor da Igreja. A certa altura, pede licença para desempenhar o papel de Jetro, sogro de Moisés, e diz coisas que com toda simplicidade me permito lembrar, sabendo que elas julgam, antes de mais nada, a mim que as estou dizendo. Diz assim: “Não confies muito no grau de oração que agora possuis: ele pode deteriorar-se. Temo que no meio das tuas ocupações que são muitas, não tendo esperança alguma de que tenham um fim, tua alma se torne árida. Por isto é mais prudente que te subtraias a tais ocupações em tempo, em vez de ser arrastado por elas, aos poucos, para onde não queres ir, isto é, para a dureza do coração. Eis para onde poderiam levar-te estas malditas ocupações, se te entregares totalmente a elas, sem deixar nada para ti. Visto que todos te têm à disposição, sê também tu um dos que dispõem de ti. Recorda-te, pois, não digo sempre, não digo com frequência, mas ao menos de vez em quando, de restituir-te a ti mesmo. Usa também tu de ti mesmo, como tantos outros, ou pelo menos depois dos outros”.
Quando fala de “malditas ocupações”, São Bernardo está investindo contra todos aqueles compromissos, particularmente numerosos no seu tempo, que obrigavam um pastor da Igreja, e especialmente o Papa, a servir de árbitro de pequenos litígios de Estado ou de família, a dirimir questões entre eclesiásticos, frequentemente determinadas apenas por ambição e interesse: a ser, em resumo, uma espécie de juiz em sessão permanente, como era Moisés antes de ouvir o conselho de Jetro. O Santo lembra com força a palavra de Jesus: Ó homem, quem me constituiu juiz sobre vós? (Lc 12,14), como também a de Paulo: Ninguém que milite no serviço de Deus se ocupa dos negócios da vida civil (2Tm 2,4). E conclui dizendo: “A razão demonstra de maneira invencível que, se estivesse em nosso poder fazer o que é conveniente, seria necessário preferir em tudo e por tudo, seria necessário praticar ou exclusivamente ou antes de tudo, aquela virtude que serve a tudo, isto é, a piedade (cf. 1Tm 4,8)” (De consideratione, I, 2-6).
“Casas de oração”
A esta altura, o nosso pensamento é invadido espontaneamente por uma visão: uma visão que é nostálgica, porque evoca o que existia nos inícios da Igreja, mas que eu gostaria que fosse profética, antecipando o que será novo, dentro em breve e de maneira generalizada, na Igreja. A “visão” é a de casas de Bispos que se apresentam, antes de mais nada, como “casas de oração” (e não de administração de negócios, ainda que estes fossem negócios eclesiásticos); visão de paróquias, cuja igreja pode dizer-se realmente “casa de oração para todo o povo” (cf. Mt 11,17) e que, como tal, não esteja aberta, como todos os edifícios públicos, somente nas “horas de trabalho” (nas quais o povo, em geral, não pode ir à igreja!) mas também em outras horas, também à noite. Vi pessoalmente como pode ser uma atração poderosa para o povo que de noite enche os centros das cidades, ver uma igreja aberta e iluminada, com pessoas que dentro dela rezam e cantam ao Senhor. Numa destas ocasiões, uma pessoa nos confiou que naquela noite havia saído de casa para suicidar-se, mas passando por ali havia ouvido cânticos; entrou e reencontrou a esperança olhando para o rosto das pessoas que ali estavam reunidas.
Portanto, rezar. Mas não basta; Jesus nos ensinou que se pode fazer da oração a própria urdidura, ou o pano de fundo contínuo do próprio dia a dia. Devemos tender a isso, pois é possível. “Rezar incessantemente (cf. Lc 18,1; 1Ts 5,17) – escreve Agostinho – não significa estar continuamente de joelhos ou com os braços levantados. Existe outra oração, aquela interior, e é o teu desejo. Se o teu desejo for contínuo, será contínua também a tua oração. Quem deseja a Deus e o seu repouso, mesmo que cale com a língua, canta e ora com o coração. Quem não ‘deseja’ pode gritar quanto quiser, mas para Deus será como um mudo” (Enarr. Ps 37,14; 86,1).
Devemos descobrir e cultivar esta oração de desejo, ou “de coração”. “Desejo” significa aqui uma coisa muito profunda: é tensão habitual a Deus, é desejo de todo o ser, é saudade de Deus. Agora a oração se torna para nós como um rio temporário que, às vezes, encontrando certo tipo de terreno, desaparece no subsolo (desaparece quando a atividade que estamos desenvolvendo nos absorve mais), mas que, apenas reencontrado o terreno apropriado, volta à superfície e corre à luz do sol (isto é, torna-se oração acolhedora e explícita).
No início talvez sejam mais raros os momentos em que aflora na superfície, mas depois, aos poucos, aumentando em nós o espírito de oração, esta oração “subterrânea” vem à tona com frequência sempre maior, até invadir todos os espaços disponíveis do dia, até tornar-se, como em Jesus, o pano de fundo de tudo. Como uma espécie de “inconsciente espiritual” que age também sem o nosso conhecimento (sem que a nossa mente se dê conta). Também de noite. Quantas almas experimentaram a verdade daquela frase do Cântico dos Cânticos que diz:Durmo, mas meu coração vela! (Ct 5,2); acordando de noite, davam-se conta, com espanto, de que seu coração estava orando.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
por Frei Raniero Cantalamessa, Pregador do Vaticano *
Revista Shalom Maná
por Frei Raniero Cantalamessa, Pregador do Vaticano *
Revista Shalom Maná